sábado, 25 de fevereiro de 2012

Como me tornei o Malandrinho





Quando o sonho se torna realidade...
E a realidade um sonho.


Em uma linda manhã de outono, sob o sol morno uma brisa fria e suave tocava o meu corpo. O dia estava claro, muito mais claro e brilhante que o normal, e tudo estava estranhamente calmo. As cores do jardim estavam mais vivas e belas, e senti-me como envolvido ternamente por aquele cenário estático e ao mesmo tempo dinâmico na sua intensidade. Então percebi que não estava pensando sobre aquele momento, não raciocinando sobre o que estava ocorrendo, pois a serenidade que permeava minha alma assim me permitia. Estava simplesmente vivendo através daquele cenário que não mais me envolvia, e sim era envolvido por mim.

As preocupações não mais me tocavam, haviam desaparecido ou perdido seu significado, tudo parecia tão claro e seguro que surgiu em mim uma paz profunda que jamais havia experimentado antes. Os problemas pareciam ter desaparecido como por encanto, e permanecido apenas as soluções, então conclui que algo maravilhoso estava ocorrendo. Ainda perplexo, esforcei-me em refletir o que estava acontecendo, mas não podia mais raciocinar. Tudo à minha volta estava conversando vividamente comigo, as plantas, os muros, o céu, e até minha gatinha e minha cadelinha, expressavam-se simultaneamente numa linguagem nova para mim.

Finalmente consegui refletir e minha intuição disse que se tratava da linguagem do AMOR. Passado algum tempo contemplando aquele momento de pura tranquilidade finalmente voltei a raciocinar, porém não mais como era antes. Parecia-me totalmente sem sentido a maneira como antes eu enxergava as coisas, a vida e o mundo. Minha visão tinha uma profundidade como que pudesse sentir o que havia além das montanhas, abaixo da terra, dentro das árvores, além das nuvens e do céu azul, tudo ao mesmo tempo, como que o mundo girasse à minha volta em todas as direções. Porém tudo sem definição, de maneira que minha imaginação estava livre para criar o que quisesse.

Os pensamentos não eram mais uma carga externa que me bombardeava e assediava continuamente, e sim um magnífico fluir criativo que partia suavemente de meu coração, subia e passava através de meu cérebro para preencher um amplo vazio à minha volta, uma bolha invisível na qual meu corpo estava inserido, capaz de abrigar qualquer cenário, situação ou relacionamento que quisesse vivenciar. Estranhamente adquiri a capacidade de pensar com o coração, compreendi então que minha inteligência nele residia e dele era emanada, que meu cérebro era apenas a ferramenta pela qual o coração se expressava intelectualmente no nosso meio cultural.

Subitamente, minhas indagações não mais me forçavam a tentar explicar tudo, enquanto que as próprias explicações não mais me seduziam, e sim me contentava natural e simplesmente em aceitar que as coisas são o que são por si mesmas, sem necessidade de controlá-las ou julgá-las e, portanto, não mais condicionavam minhas reações e comportamento, pois estavam livres para seguirem seus próprios caminhos e existência. Então, o silêncio tornou-se profundo e, sem nenhum ruído nem a menor interferência externa, meu ser incorpóreo não mais era impedido de fluir subjetivamente, permeando com abrangência e sem impedimento as coisas.

Compreendi que somente quando abrimos mão do poder é que passamos a poder tudo, mas sem nada mais querer. Que quando nada mais queremos possuir e controlar é quando as coisas querem ser possuídas e controladas. Quando você flui livremente, não há mais compromisso com mais nada nem ninguém. Percebi o quanto as coisas estão amarradas entre si. Passei a não mais pertencer ao mundo, mesmo estando no mundo. Entretanto, quanto mais me adaptava à minha nova realidade, mais me compadecia daqueles que permaneciam em meu mundo de outrora. E decidi voltar, mesmo querendo ficar, para revelar às pessoas o que eu havia descoberto.

Mas ninguém me escutou. Conclui que as pessoas não queriam ser ajudadas. As boas novas não as comoviam, pois me davam pouco ou nenhum crédito. Antes, ridicularizavam meu testemunho. Acreditavam que estão onde deveriam estar, pois é o que mereciam. Que nada existe além da vida que levam, que a sua realidade é a única possível e não queriam perder tempo em acreditar numa outra realidade que julgam ser uma fantasia totalmente irreal. Contudo, eu sabia que as coisas não são o que parecem ser e não precisam indefinidamente continuar sendo do jeito que são. Que há todo um mundo novo que se revela quando nos permitimos brincar.


Assim, retornei para meu maravilhoso mundo novo e me dei conta que estava só, não havia mais a quem confidenciar minhas descobertas. Não havia quem me guiasse nesse território desconhecido, pois não mais sentia uma força superior que pudesse estar me guiando, ouvindo minhas orações e me dissesse o que fazer ou por qual caminho seguir. Não havia quem me dissesse o que era certo ou errado, qual seria a roupa mais apropriada que deveria vestir, com que deveria me alimentar, quando e como fazer as coisas ou que horas deveria dormir. Senti-me como uma criança órfã de pai e de mãe, sem destino, abandonada e desamparada nesse novo mundo. "Então chorei."

Enquanto chorava, percebi que me libertava cada vez mais das coisa que antes me aprisionavam no mundo, onde as pessoas acreditam que precisam trabalhar arduamente para conseguir sustentar suas vidas. Pois acreditam que precisam comprar muitas e muitas coisas para que suas vidas funcionem, mesmo não tendo recursos suficientes para adquiri-las ou mantê-las. Precisando para isso, emprestar esses recursos de grandes reservatórios que aprisionavam seus pensamentos, as faziam trabalhar sem parar e se preocupar continuamente, com medo de sucumbir se essas coisas faltassem. Elas acreditam que precisam matar animais para ingeri-los, e assim sequestrar a energia vital desses belos seres para manter suas próprias vidas.

E o pior: As pessoas acreditam que são donas umas das outras, que não podem viver sem se alimentarem umas das outras sequestrando suas energias emocionais. Por isso, julgam ser donas de objetos, ferramentas e roupas, construções e territórios, plantas e animais. Não percebendo que a terra que pisam, a água que bebem e o ar que respiram não pertencem a ninguém, mas que naturalmente suprem a todos desde que não tentem controlá-las, decidindo quem viverá com eles e quem morrerá sem eles. Então, há conflitos que causam muita dor, desespero e frustração para aqueles que perdem, e aparente abundância para aqueles que se julgam vitoriosos. Mas na verdade todos perderam.

Por isso, parei de chorar, pois me senti vitorioso por ter colocado meu coração e minha mente longe de tudo isso, mesmo permanecendo com meu ser dentro do mundo. Parei por um momento e observei a situação de estar em dois mundos ao mesmo tempo, um pé aqui e outro acolá. Mas continuava com a nítida sensação de estar sozinho e desamparado, até que olhei pra cima. E vi algo acima de mim que sempre havia sentido, mas que supus haver perdido. Pois o que havia sentido até então era algo que passei a incorporar, por isso o mundo mostrou-se para mim de outra maneira. Foi então que vi acima de mim um lindo casal no céu que me fitava ternamente.

Então percebi que não estava só, e sim era um filho muito amado que acabara de nascer. O Sol estava forte e coloquei meu chapelzinho. Foi assim, que me tornei O Malandrinho, pois quando percebi que havia nascido no refeitório da gruta do mundo, devia voltar disfarçado de criança, pois somente as crianças são capazes de "sonhar com a realidade em um mundo cuja realidade é um sonho". Pois a energia que flui na Terra é controlada por forças obsoletas, que trafegam em um labirinto de possibilidades que foge à compreensão daqueles que aí se acham aprisionados. Entretanto, quando passamos a ver o labirinto de cima, passamos a conhecer todos os caminhos, os becos sem saída e os caminhos que levam à liberdade.


Assinado,

O Malandrinho